3 de abril de 2017

Trump Card. Rudolfo (Chili Com Carne/Ruru Comix)

Já em ocasiões anteriores havíamos falado dos projectos do artista conhecido por Rudolfo, inclusive aqueles em que a personagem Musclechoo aparecia nas suas estranhas aventuras. “Estranhas” aqui deverá ser lido como sinónimo de híbrido, não apenas no que o seu nome revela, mas igualmente em termos de géneros de banda desenhada, que não escondem as suas clássicas características, que o autor revisita, misturando-os. (Mais) 

Trump Card ganha uma desenvoltura diferente, para começo graças ao seu tamanho, com quase 80 páginas, o que demonstra outro fôlego mas também um compromisso com fórmulas mais organizadas de narrativas ou centralização da atenção. Tendo em conta que o autor declara, numa nota inicial, que foi totalmente improvisado na sua “escrita” e “desenho preparatório” – para ser claro, não só não existiram como são mandados àquela banda -, e entre os anos de 2014 e 2017, notar-se-ão certamente transformações internas na assinatura gráfica do autor, e até nalguns aspectos de desenvolvimento de acção ou de desenvolvimento da(s) personagem(ns). Ou, bem lido e visto, nem por isso, como se se pretendesse precisamente evitar qualquer ideia de arco organizado, e houvesse maior prazer em demonstrar uma espécie de expressividade selvagem, genuidade na criação, mas sempre sem passar uma linha de domesticação ou normalização.

Musclechoo encontra uma raça de alienígenas mutantes poderossíssimos, os Zartrarian, e que vivem numa base submarítima, mas não entra em imediato conflito com ela, o que permite aos seus aliados juntarem as suas forças para uma batalha épica. E nesse entretanto, descobre o plano dos aliens em invadir a Terra com um novo tipo de jogo de cartas de realidade aumentada, uma espécie de mistura de Magic the Gathering, Pokemon, MMORPGs e sabe Deus Nosso Senhor mais o quê numa sopa tão pouco credível como certamente satírica. Com efeito, é difícil não ver em Trump Card um exercício de deboche sarcástico em torno de toda uma linha de cultura popular, de Star Trek a novos jogos digitais, mas ao mesmo tempo mostrando algum gosto por essa mesma cultura. Pois nada do que foi dito é claro, e novos jogos de alianças e surpresas surgem, sem que se abandone a possibilidade da explosão juvenil dos conflitos mais que esperados. E há pistas para o que poderá ocorrer no futuro… Apesar do título ter tudo a ver como o jogo de cartas, e aparecer uma espécie de “tirano sapo” obcecado com sexo, não deixa de haver uma ideia de explorar a actualidade política internacional. Mas ir por aí é como patinar num sabão em chão de mármore. Todo o cuidado é pouco e equilíbrio, nenhum.

Uma espécie de Image dos pobres, em que a verve daquela editora norte-americana em revisitar e revitalizar toda uma série de géneros clássicos, mas com os instrumentos imediatos e de pêlo da venta do punk (8-bit breakcore, entenda-se) zinesco, Musclechoo deve estar mesmo para ficar. Deus nos acuda.

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