30 de maio de 2008

Venham + 5 # 5. AAVV (Toupeira/Bedeteca de Beja)

Por ocasião do último Festival de Beja, o Colectivo Toupeira/Bedeteca de Beja lançou o quinto número da sua publicação Venham + 5, mas este “+” assume aqui todas as direcções possíveis do crescimento em termos quantitativos e físicos como em termos mais diáfanos, de “qualidade”, “força”, “presença”. Não obstante ainda poder vir a ser considerado um fanzine pela sua posição política para com o mercado (assuma este em Portugal a forma que achar que pode ou pensa assumir), o que temos aqui, em termos meramente descritivos, é um belo livro, uma antologia de mais de 200 páginas com trabalhos de 58 autores, quase todos portugueses mas com algumas participações internacionais, quase todos inéditos, mas alguns que já haviam sido publicados antes em revistas internacionais e encontram aqui a sua primeira publicação em português (por exemplo, a contribuição de Pedro Nora com Jessica Khane e a de Filipe Abranches), mas todas elas unidas pelo mesmo princípio: um elo de ligação ao Festival de Beja, por terem lá passado, exposto e criado um grau mais ou menos profundo com essa plataforma. De facto, toda a atitude deste colectivo é a de que há espaço sempre para mais um amigo, “também”. E independentemente do que escrevi sobre os números anteriores (* e *), que se limitavam a coligir os trabalhos desenvolvidos nos workshops ou pelos autores locais do colectivo, e que nem sempre primavam pelos melhores modelos da banda desenhada contemporânea, enquanto gesto e presença, é sempre, sempre bem-vindo.
Nem todos os trabalhos são da mesma cepa nem do mesmo ano de colheita: encontrar-se-á uma grande colecção de humores, estilos, extensões, e propósitos. Este Venham + 5 pode mesmo até funcionar como uma espécie de elenco ou cartão de visita para um grupo bastante amplo e activo da banda desenhada portuguesa contemporânea. Claro, faltarão nomes, como sempre, mas isso não é argumento derrogatório. Como se disse acima, trata-se de uma colecção feita pelos elos da amizade que se tornou possível pela colaboração no Festival, e isso em si é já um critério tão pertinente e forte como outro qualquer e até mais, porque é movido com o único intuito de promover e continuar esses mesmos elos.
Há preferências, naturalmente. Mas mais do que me inclinar para elas, o que não traria surpresas para ninguém, e uma vez que não é de todo possível elencar todas as histórias e adiantar uma razão pela sua ressonância na nossa leitura, preferiria acentuar a presença de surpresas. Esta palavra significa originalmente “prender demais”, quer dizer, chamar-nos a atenção de um modo mais vincado do que o habitual. Por isso, as surpresas não podem advir propriamente daqueles autores a que nos acostumámos seguir de mais perto, mais vezes e com uma maior intimidade (em relação à obra). Esses, por razões de saber da sua contínua qualidade, apenas a vêem confirmar com estas novas pequenas histórias aqui editadas (Miguel Rocha com Susana Marques, André Lemos, Maria João Worm, Teresa Câmara Pestana, Jorge Coelho, Diniz Conefrey, Filipe Abranches, David Rubín, José Carlos Fernandes). Algumas delas com pequenas torções em relação ao que conhecíamos, talvez (Jorge Coelho apresenta um ritmo íntimo e pausado que não se adivinharia dos anteriores trabalhos, mais acelerados, por exemplo, José Carlos Fernandes retorna a um tom antigo mas muito seu...).
Elas, as surpresas, vêm, dizíamos, daqueles ângulos do horizonte para o qual não olhávamos a direito, por não havermos até ao momento surpreendido uma fulgurância que se prestasse a uma força maior na banda desenhada (independentemente do “sucesso” ou “reconhecimento” por este ou aquele sector do “mercado”). Estão nas histórias de Pedro Rocha Nogueira (na verdade, aqui não há propriamente “surpresa”, mas apenas um mais acelerado acordo dos elementos que compõem o universo alegórico das suas histórias, que procuram sentidos universalmente partilháveis), de José Abrantes (uma pequena fábula-comédia com laivos de uma angústia que parece comentar um certo sector de criação delicodoce para crianças, que o próprio Abrantes alimenta noutros dos seus trabalhos), a de Filipe Andrade e Filipe Pina (afastados do “over the top” BRK, e ainda que com sinais desse poetismo em busca de um “sentido da vida” tangível, apresentam uma tocante e simples história de um homem a rever a sua vida, no preciso momento – imaginamos nós – em que cai na hora da morte), de Pedro Leitão (famoso autor da série infantil As Aventuras de Zé Leitão e Maria Cavalinho, apresenta aqui uma tipologia de 13 soldados norte-americanos e as razões que os levaram à Guerra do Golfo: num registo de cartoon, muita verdade e ironia é aqui aplicada), de Ricardo Ferrand (que já tinha apresentado dois livros dignos de nota e de um alcance acabado, mas que com esta pequena história “A Prisão”, de 5 pranchas, atinge um muito apurado e sarcástico humor que parece ser uma boa direcção), e a de Paulo Monteiro (com menos “surpresa” também, mas que com “Rádio Medo”, uma colaboração com Kike Benlloch, supera a sua investigação pelos territórios da fuga onírica para penetrar nos da paranóia mais atormentada, empregando a própria estrutura para realçar esse vórtice – imagino esta banda desenhada publicada numa só prancha gigante).
Como disse, esta antologia, esta publicação pode servir nos próximos tempos como excelente cartão de visita sobre as várias respirações da banda desenhada portuguesa contemporânea, convidando sempre a que venham mais, cinco ou mesmo além disso.

1 comentário:

Geraldes Lino disse...

Caro Pedro Moura
Hoje decidi dar uma grande e demorada volta pelos seus excepcionais textos (e se tem contador de páginas visitadas, só à minha conta estão a ser umas largas dezenas).
Resolvi deixar aqui um curto comentário, relacionado com "Venham+5", a que você se refere quase sempre pela expressão "uma publicação", e não "um fanzine".
Com efeito - sem pôr em causa a indiscutível qualidade do objecto gráfico - "Venham+5" é uma revista, nunca um fanzine, respeitando uma posição conceptual: como você demonstra tacitamente pelo visível cuidado em não lhe chamar fanzine, uma publicação que apresenta como editor(a) uma entidade oficial, para o caso a Câmara Municipal de Beja, não pode ser considerado um magazine editado por um fã, ou seja, um amador.
Já disse isto ao meu amigo Paulo Monteiro. Faltava uma voz respeitada como a sua para fazer coro com a minha, já um tanto gasta pela força da repetição.
Cordialmente.
GL